16 de jun. de 2009

Metrô

Era um feriado de plástico, desses que a gente descarta o significado pra se aproveitar da existência e das oportunidades que temos graças a eles. Naquele dia eu tive a chance de namorar a estação do metrô. Beijei os detalhes arquitetônicos com os meus olhos, que bem poderiam ser da mesma cor que as luzes que iluminam a plataforma. Respirei profundamente aquele ar, como se nunca mais fosse respirar. E de certa forma, jamais voltei a senti-lo tão livre de perfumes e suor. Sentei-me na cadeira azul reservada para os obesos, mas que aconchega os casais que querem estar mais próximos. A ausência da pressa me sensibiliza um pouco. Em dias comuns, entraria no primeiro metrô que aparecesse. Cheio ou vazio, do modelo novo ou velho. Não teria tempo nem de observar as pessoas, só de sentir o calor que elas me passam quando estão inevitavelmente perto uma das outras. Em dias comuns, os sentidos são castigados. As mãos não tem saída: são obrigadas a tatear o que não precisariam. Os olhos, mesmo fechados, ainda conseguem enxergar. Os ouvidos são surrados pelas notas, pelas vozes e pelas conversas paralelas. E o nariz, sufocado de odor, só não faz respirar. Mas nos feriados de plástico é tudo bem diferente. Naquele dia, deixei passar alguns metrôs pela plataforma até finalmente embarcar. O ar resfriado arrepiou-me, escolhi novamente a cadeira azul. O metrô partiu em um disparo e pela primeira vez consegui ouvir o som que ele provoca sob os trilhos. (...) Ao contrário dos dias comuns de contagioso estresse, a estação seguinte chegou demasiadamente depressa e algumas pessoas entraram. Entre elas, um rapaz de olhos e cabelos negros, pele morena e uma elegante harmonia entre a estatura e sua posição diante de mim. Estava perto demais para que eu me deixasse olhar por mais de cinco segundos. Mas os meus olhos castigados precisavam daquela liberdade. (...) O rapaz talvez sentisse a mesma necessidade. Tentou disfarçar que a janela daquela alma desconhecida não sentia o mesmo interesse, mas assim como eu, não conseguiu por muito tempo e voltou a olhar-me de frente. Entre o flerte, o som do metrô e as pessoas que entravam e saiam do vagão, uma voz mecânica anunciava as estações que se aproximavam. Deus, como quis que meu destino demorasse como nos dias comuns! Por um momento quis que fosse uma segunda-feira insana e eu não tivesse como escapar dali. Quis que entre nós não existisse vazio, mas pessoas para nos empurrar em direções idênticas. Cheguei a esquecer por completo que estava acordada, que tinha um destino e pessoas a minha espera. (...) O rapaz começou a caminhar. Atravessou o pequeno vazio que nos separava e sentou-se ao meu lado. Estávamos como os casais que citei ainda a pouco, ocupando os assentos reservados por capricho ou involuntária vontade de estar mais perto. Senti o meu coração esquentar, apesar do frio artificial. Minha mente agora estava em completa desordem, muito pensamento pra pouco tempo e espaço. Quis abrir a boca e bocejar, em sinal de completa indiferença, mas as aulas de teatro que cancelei nas vésperas do início me fizeram a falta maior. Não consegui disfarçar, não consegui acalmar minha respiração, tampouco olhar para o lado oposto do meu parceiro de assento. O que eu poderia fazer? Dar um assunto a aquela oportunidade e correr o risco de congelar ainda mais o oxigênio? Mudar de lugar e despertar as ideias que ainda não foram acesas? Por que ele não bocejava? Por que não me perguntava a hora ou me entregava em uma bandeja de prata qualquer desculpa mal pensada? Comecei a construir um castelo de suposições, que veio abaixo tão mecanicamente quanto a voz que calou o já silencioso impulso. "Próxima estação Sumaré." (...) Nossa respiração perdeu a sincronia. O rapaz deu um suspiro de leve e levantou-se. As portas do vagão se abriram e depois do último olhar trocado, deixou comigo um sorriso que escapou meio sem graça. Nunca mais voltei a vê-lo.

15 comentários:

Tarsila disse...

O melhor texto que já li até agora. Gostei muito *-*

Joy disse...

Maravilhoso.. momentos transformados em palavras são os melhores!!

bjo

Joana disse...

ai esses casos da vida!

Samily Luz disse...

Ameeeeei muito mesmo *---*

Se puder, dá uma lida nesse, tratam do mesmo assunto:
http://blog-da-mily.blogspot.com/2009/02/caros-leitores-que-ainda-nao-tenho-haha.html

:*

Daniel Henrique disse...

adoro essas paqueras instantâneas que começam e terminam em olhares dentro do metro/ônibus

Sthéfanie Louise disse...

:O perfeição
eu sou uma pessoa completamente sem palavras pra vir comentar aqui
Nunca acho que digo o suficiente sobre o que vc consegue despertar em mim com todas as suas idéias maravilhosas
sou sua fã
e de onde veio essa história?

;**

Anônimo disse...

eu nem posso sonhar com momentos assim, aqui não tem um metrô decente! E não importa se são dias comuns ou feriados de plástico, os ônibus não permitem isso, são sempre lotados e fedorentos T_T

Thiago Kuerques disse...

Tinha alguem inspiraado e inspirador!
Muito bom mesmo!
Beijos

Carol Mendes disse...

Lindíssimooooooooo!!!
Maravilhoso...
Gostei do uso de sinestesia no texto, transmite sensações incríveis!

PARABÉNS!

Bjinhos.

Unknown disse...

Noossa! Bruna que lindo.
ameei!
meu coração ficou a mil, e fiquei super anciosa pelo final!

perfeito! ;D

Fernanda Zanol. disse...

Ai, ai.. essas coisas são tão lindas.. já aconteceu comigo.
O texto está perfeito! =))

bjaooo.

meus instantes e momentos disse...

muito bom, bem feito e bem escrito o texto. Vc transmite a realidade de um momento com facilidade. Gostei
Parabens pelo teu blog.
Maurizio

Maay disse...

Como vc escreve bem Bo ... nossa eu adoro ler seus textos .. parabéns...


Saudades de vc mocinha td d bom SEMPRE
;)

Patrícia disse...

Tão mágico!

Adoro feriados! :)

Alessandra Castro disse...

De tirar o folego seu texto.