1 de nov. de 2007

A VIDA NÃO É NADA FÁCIL

Ela acordou com os pássaros, que presos numa gaiola suja, não cantavam mas faziam um ruído doentio. Apenas acordou. Não se moveu para arrumar os lençóis que estavam aos seus pés, praticamente fora da cama baixa. Não se moveu para ajeitar o travesseiro ordinário que lhe causavam as dores nas costas que ela não sabia de onde vinha. Não se moveu. Não levantou. Ficou inerte com o olhar frio e vago, esperando um sinal da vida. Na verdade o que ela queria era ver a luz tênue dos poemas; queria sentir a volúpia dos contos Naturalistas e tocar com os próprios dedos, na Aurora linda descrita naquela crônica incrível...

O sinal não veio. Ela percebeu a lágrima, mas não era a lágrima que almejara nos sonhos. Levantou-se da cama esfregando os olhos num movimento tão frenético quanto a movimentação dos pássaros doentes que lá fora faziam um barulho infernal. Abriu a janela depois de eternos segundos e num impulso jogou na gaiola dos pássaros um par dos sapatos que usara na noite anterior. A noite em que ela bebeu os problemas, bebeu a tristeza e jogou pro alto a esperança da sobriedade e da felicidade de amar.

No chão caíram alem da gaiola imunda, alguns vasos de flores murchas e algumas latas que no muro mais baixo estavam penduradas. O barulho a fez tremer; recuou da janela e viu o quão medíocre se fez. Deu alguns passos e ao ligar o som e ouvir as primeiras notas de uma música melancólica, voltou para a cama e desabou num chiado quase que mudo. Nem ela podia ouvir o próprio lamento. Nem as paredes largas e brancas ouviram o murmúrio dessa vez...

Enfim enxugando as lágrimas que salgaram o seu rosto, caminhou lenta e pausadamente até a cozinha onde se sentou na cadeira mais próxima. A empregada trouxe a Papaia, mas ela recusou com um gesto e também com um gesto a mandou para fora dali. Tomou um café, tomou outro café e repetiu diversas vezes a dose generosa. Abriu o jornal e viu sua foto estampada na primeira página. Um susto. Estava no ápice da insensatez, dançando em cima de uma mesa de bar com uma garrafa na mão. Era o escândalo do dia, da semana, era o escândalo do ano que levantaria o ego de algum fotografo desses que gostam das sextas-feiras de uma atriz desequilibrada. No mínimo teria de dar entrevistas em programas de fofoca barata para esclarecer a cena; teria de se entender com um país, teria de ser perdoada e novamente respeitada.

Ela olhou ao redor. Voltou ao quarto, trocou-se ainda lentamente e saiu para procurar alguém. Pediu conselhos que não foram dados. Reclamou dívidas que não foram pagas e novamente lamentou calada e percebeu uma nova lágrima.

- A vida não é nada fácil.

Entrou no carro e foi pra casa cuidar dos pássaros.

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